domingo, 18 de maio de 2008

Um roteiro


Meu amigo,
Você mandou me perguntar se o meu roteiro já está pronto. Está. Meu roteiro é só essa foto em anexo. Não estranhe a falta de texto e marcações de câmera. Explico: Essa foto foi feita num fim de tarde na praia e todo o filme vai ser construído em volta dela: 35mim, preto e branco. Uma foto capturada num fim de tarde solitária, de vento suave encrespando de leve o mar. Uma tarde em que, como o mar, eu me deixava varrer pelo vento suave.
Eu e minha câmera olhávamos em volta, atravessadas de vento e brisa marinha, vagueando na areia como guruçás noturnos. Na linha que divide o mar e o céu meus olhos viram a foto: um guarda-sol ligeiramente inclinado e, ao lado dele, de costas para mim, um homem jovem, alto, movimentando o corpo num ritmo lento de alongamento. Com a cumplicidade da câmara observei-o mais de perto, naquele fim de tarde suave e ventio. Ele se inclinou para a direita. Apertei o botão. A foto estava ali, latente, dentro da câmera.

(Ai, o corpo do rapaz na tarde solitária do Leblon...
Eu, voyeur, estudo
As coxas, os ombros,
Seus movimentos na lenta ginástica.
Ah, rapaz... que malícia a sua colocar
Seu corpo
Assim, contra o mar e o céu
Nessa tarde solitária
No Leblon.)

Esse é meu roteiro. Ele fala das delícias da solidão num fim de tarde marinha, da liberdade do olhar e do desejo do voyeur. Não somos todos nós, cinéfilos, uns solitários que prezamos a liberdade do olhar? Nós não nos escondemos no escuro de uma sala de projeção para observar outras vidas, mesmo que falsas? Não buscamos, com uma sede que nunca se aplaca, viver outras histórias que não a nossa? Como o personagem de A Rosa Púrpura do Cairo, estamos sempre lá, na sala escura, esperando, talvez, que o nosso personagem predileto saia da tela e nos transporte para uma outra vida, ou um outro filme.