sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Razão e fé

“A fé é a antítese da razão”.  Li essa frase e fiquei pensando sobre o seu significado e o que há por traz de uma afirmação tão peremptória. Por mais racional que eu seja não posso concordar com ela. Fé e razão não são antíteses, mas faces de uma mesma moeda. Acreditar na verdade dela é excluir da categoria de humanos racionais bilhões de pessoas que pautam sua vida pela fé, seja de que forma for que ela se manifeste. A frase é, portanto (ao menos do meu ponto de vista) profundamente preconceituosa.

A frase também é uma contradição, pois acreditar que a razão se contrapõe à fé é ter muita fé na verdade da razão. E a história tem nos mostrado que a razão não é exatamente uma manifestação da verdade, mas é puramente social e histórica.  Portanto, acreditar apenas na razão é ter uma fé vã, pois a razão pode assumir muitas faces dependendo do contexto social, histórico e cultural no qual estamos imersos.

A racionalidade fria que a razão impõe também se contrapõe ao meu conceito de humanidade, pois para atingirmos a racionalidade precisamos nos isolar do que temos de mais humano: o sentimento afetivo pelo outro, a compaixão e a afetividade. Tudo isso só pode ser explicado pela fé. A razão ainda não encontrou nada que possa explicar esse estranho laço que nós humanos temos com os outros humanos e que nos fazem sentir a dor do outro e colocar nossa vida à disposição daqueles que amamos.  Esses laços que nos constituem e nos tornam real.

A razão falha em muitas coisas. Talvez nunca consigamos encontrar a razão. A fé não busca a verdade das coisas. Não busca a razão de ser. Apenas é. E apenas ser talvez seja a única verdade alcançável. Nossa vã filosofia não dá conta da imensidão que não podemos apreender. A fé dá.  A fé ampara, acalenta, consola, une e não falha. A razão desespera e isola.

Quando falo de fé não refiro a religiões. Essas, em sua maioria, são formas diferentes de explicar o ser racionalmente. E, como tal, trazem consigo os mesmos dogmas que a razão contém. Enquanto a racionalidade cria o dogma da ciência e do conhecimento, a religião cria os dogmas do poder divino. Ambos paralisam e fazem com que nos sintamos impotentes diante de um poder maior que não podemos modificar ou interferir.

Eu, por mim, tenho buscado a fé. Encontrá-la é uma tarefa difícil nos dias em que vivemos. Não sei se serei capaz de chegar a ela. A vida tem me posto à prova todos os dias. Procuro me fortalecer na fé. Procuro me apegar à fé em que posso interferir, posso contribuir para que as pessoas, ao menos as próximas a mim, vivam melhor. Vou lavar minhas louças e cuidar do meu quintal. Vou me preparar para cuidar da minha rua, do meu bairro, da minha cidade. Buscar que o melhor de mim seja meu legado para a humanidade, mesmo que o melhor em mim seja muito pouco.


3 comentários:

Vissungo disse...

Embora eu ache que a frase que você questiona se refere mesmo, diretamente, à religião (só os mais puros de preconceitos entendem esta fé mais ampla)concordo com você totalmente.
Sou - e recomendo que você e todo mundo seja - um fervoroso incorrigível e total.
A esta altura da vida tenho absoluta certeza de que quando me disponho a realizar alguma coisa e me dedico a ela com fé inquebrantável ela efetivamente ocorre. mais cedo ou mais tarde.
Acho que é uma coisa física, concreta, líquida e certa: A remove mesmo qualquer montanha.
A fé não costuma falhar.

Grande abraço com beijo fervoroso.

Claudia Rangel disse...

No fundo, no fundo, vc é tão Polyanna quanto eu!

Fabrício Brandão disse...

Claudinha,

Por vezes, penso que a razão assuma um papel de instrumento de fuga. Mas fuga de quê exatamente? Bom, daquilo que tentamos, sobremaneira com nosso ceticismo de plantão, ofuscar. E essa ideia de esvaziamento penso que está muito ligada à nossa incapacidade de aceitar que certos mistérios não se explicam pela via lógica.

A palavra fé está envolta em conceitos indeterminados e seus fatores não se prestam a equilibrar nenhuma equação matemática, penso. Aliás, a nossa velha maneira de tentarmos obter respostas ideais para cada situação vivida acaba gerando muita angústia e nenhuma elucidação.

Do dito, temos que dar a César o que é rigorosamente dele. Razão para dispararmos elaborações pensadas sobre um tudo e, por outro lado, fé para atravessarmos experiências que fogem à nossa vã compreensão.

É como você disse. A fé, a qual nos referimos, não é nem de longe aquela institucionalizada pelas religiões, mas sim algo que insurge em momentos desavisados de nossas tenras existências. Não há como fabricá-la, inventá-la ou simplesmente colocá-la no centro de um colóquio intelectualizado.

Pois, sim, fé e razão jamais podem ser parte integrante de um descabido jogo de oposições. Vejamos, então, que quando a ciência, por exemplo, esbarra no inexplicável, mesmo a contragosto entrega os pontos para motivações derivadas da fé.

Agarremo-nos, pois, à fé da forma mais desnudada possível. Basta a nossa mais honesta simplicidade para abrir os canais de energia desta tão poderosa fonte de vida.

Beijos meus de fé e razão!