segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Medo do mar

Com medo do mar,
Minha ilha natal se atou
Com pontes e aterros
Ao continente e a outras ilhas,
Suas filhas menores.

Minha pobre ilhazinha,
Varrida de vento sul,
Por medo de ficar à deriva,
Criou raízes sobre os canais e a baia,
Afogou seu porto,
Escondeu seu horizonte.

Hoje moramos nós em aterros,
Trafegamos sobre aterros,
Trilhamos nossos caminhos
Sobre um mar que já se foi,
Que um dia esteve ali.

Ah, minha pobre ilha,
Que medrosa e tímida
Alarga-se sobre o mar,
Estende-se sobre os manguezais,
Recria-se outra, continental,
Metropolitana.

Não tenha medo do vento sul
Que lhe varre e perpassa
Nas tardes de domingo.
Deixe-se estar à deriva nesse mar,
Deixe-se encher de horizonte.

domingo, 26 de outubro de 2008

hermetando

A flauta desenha arabescos
nos meus ouvidos,
revirando o caldo pardacento
das dúvidas e das certezas
na funda panela oca
do meu pensamento.

Tento ajustar o compasso
e o rítmo já é outro.
me descompasso toda.
tomo fôlego,
mergulho no aquário.
Caço estrelas, desenho núvens,
conto os aviões que me sobrevôam.
(quem me sobrevoa neles?)

sábado, 25 de outubro de 2008

Onde estão os lugares que não existem?

-Tanzânia.
-heim?
-Tanzânia. O que você sabe da Tanzânia?
- Como assim? A terra do Tazz?
- Tazz?
- O diabo da Tanzânia... o desenho, lembra?
- É Tasmânia, ô, lesado!
- Tanzânia, Tasmânia ... nem faço idéia de onde ficam os dois...
- Tasmânia acho que é perto da Austrália. Ou é na Austrália. Ou nem existe, não sei direito. Se existe, deve ser no oceano Índico.
- Por quê?
- Sei lá! No oceano Índico é ficam esses lugares que não existem. Ou que existem e ninguém sabe direito.
- E a Tanzânia?
- Tanzânia, acho que é África. Olha ai no google...
- Pô, olha você. Não estou interessado na Tanzânia. Por que esse interesse pela Tanzânia agora?
- Ah, sei lá! Interesse nenhum. Me veio, sei lá. Olha aqui: África Oriental. Faz divisa com Uganda, Quênia, Moçambique, Malawi e Zâmbia. E ainda com a República do Congo, pelo lago Tanganica... E é banhado pelo oceano Índico. Sabia que tinha alguma coisa de oceano Índico!
- O tal oceano que banha os lugares que não existem ou que existem e ninguém sabe direito?
- Deixa de ironia... você também não sabia nada da Tanzânia. Olha aqui: aposto que já ouviu falar de Zanzibar... fica na Tanzânia.
- O azul de Zezebel, num céu de Zanzibar, feliz constelação... de quem é essa música mesmo?
- Não lembro. Pepeu? Tá com cara de música do Pepeu...
- E a Tanzânia, que mais que fala ai?
- Hum, você nem estava interessado...
- Ah, um lugar que tem Zanzibar deve ser interessante. Zanzibar não é um país também?
- Não. É um arquipélago que pertence à Tanzânia. Ah, mas era, olha aqui: Tanganica e Zanzibar eram países diferentes que se uniram e formam hoje a Tanzânia. Que, por sua vez, é considerado o berço da humanidade. Lá foram encontrados fósseis dos primeiros seres humanos. E também as mais antigas pegadas humanas na face da terra...
- Então é a terra de Adão e Eva?
- Pô, olha só: é lá que ficam o Kilimanjaro e o Lago Vitória. Então, já vi alguns documentários sobre a Tanzânia. Como é que eu não lembrava nada sobre a Tanzânia?
- A gente tem tanta coisa pra lembrar...quem é que vai se preocupar em lembrar da Tanzânia? Aliás, por que pensar na Tanzânia agora?
- Sei lá... deve ser um lugar lindo... lagos, cachoeiras enormes, arquipélagos, o Kilimanjaro... As neves do Kilimanjaro...
- Eu vi esse filme... é com o Bogart, né?
- As neves do Kilimanjaro...? Acho que não. Não é não. Acho que é com a Ava Gardner e aquele outro, lembra a música da Rita Lee... se a Débora Kerr que o Gregory... Gregory Peck!
- Não, Bogart e aquela outra, Katherine... a que tem Alzheimer...
- Hepburn... Ela tem Alzheimer?
- Acho que sim... Mas me fala do seu interesse repentino pela Tanzânia...
- Ah, nada. Só me lembrei da Tanzânia. Sei lá... de repente lembrei que esse lugar existe e que moram pessoas lá, outras viajam pra lá... não sei.... me imaginei lá, de repente.
- Você parece doida!

sábado, 18 de outubro de 2008

As flores de plástico não morrem...

Incompatibilidades

Tuas coisas leves,
Tuas frases breves,
Tuas mãos suaves.

Minhas mãos suadas,
Minhas frases truncadas,
Minhas tensões elevadas.

Teu olhar fugidio,
Meu olhar bravio,
E entre nós o frio.

Tua idéia concisa
Não resiste à brisa
Dessa pobre poetisa!

domingo, 12 de outubro de 2008

Samba da benção


Sempre bom ouvir:



É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
Senão não se faz um samba, não

Senão é como amar uma mulher só linda; e daí?
Uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza
Qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado,
Uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher,
Feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor
E para ser só perdão

Fazer samba não é contar piada
Quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração
Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não...

Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração

Vínícius e Baden