Semana passada comecei a ver uma série na NetFlix chamada La Niña. Na verdade, é mais uma novela que uma série, inclusive pela linguagem novelesca tão característica da teledramaturgia latinoamericana. Me interessei pela série porque retrata a realidade, pouco conhecida dos brasileiros, das crianças envolvidas nos grupos de guerrilha e paramilitares da Colômbia. Pois então, da Colômbia, aqui do nosso lado, sabemos tão pouco! Ouvimos falar tanto das Farc's (e da atual negociação de paz entre as Farc's e o governo colombiano) e do cartel de Medelin, Pablo Escobar, etc, mas o que sabemos nós da realidade colombiana e do contexto do surgimento de toda essa guerra? Quase tanto quanto sabemos da realidade dos nossos vizinhos peruanos, venezuelanos, bolivianos ... quase nada, né mesmo? Nós, brasileiros, ignoramos solenemente uma América Latina da qual somos parte.
Voltando à série, ela
conta a história real de Belky, ou da guerrilheira Sara, que viveu
com a guerrilha desde os 8 anos de idade, quando foi sequestrada, até
os 15, quando foi presa e reintegrada por meio de um programa de
reintegração do governo para crianças e adolescentes vindos dos
grupos de guerrilha ou de grupos paramilitares (aliás, o Brasil
deveria investigar melhor como funciona esse programa e tentar
aplicar algo parecido aqui, com nossos adolescentes cooptados pelo
tráfico). Como ela, muitas crianças sairam de suas casas aos 8, 9,
10 anos de idade, sequestrados ou vendidos pelos próprios pais, para
viverem nas selvas colombianas em grupos clandestinos, recebendo
treinamento militar, sem escola, família ou qualquer estrutura de
afeto. Reabilitar esses adolescentes é uma tarefa gigantesca que,
imagino, nem sempre é bem sucedida. Belky é o exemplo de uma
reabilitação possível e por isso, acho, sua história foi contada.
A série tem boas reflexões sobre essa questão da reabilitação e,
principalmente, sobre a importância da sociedade nessa reabilitação.
Como eu disse no
início, não sei muito sobre a Colômbia, mas é um pouco Caribe,
né? E, como tal, deve ser um país com forte presença negra. Pois a
série tem apenas uma pessoa negra, uma médica e professora da
faculdade de Belky, e essa mesmo, de negra só tem o tom de pele,
pois tem traços finos e cabelos lisos. Também a presença indígena,
tão forte na América Latina, é pouco notada. Apesar dos traços
físicos do padrastro e de uma das irmãs de Belky serem claramente
índígenas, a família toda é bem ariana. Toda a faculdade que ela
frequenta, todos os seus amigos, seus companheiros de trabalho, seus
professores, todos, são totalmente caucasianos. Onde está a
presença latino americana na série? No antagonista: o coronel
Barragán, o malvado coronel do exército que a estuprou e torturou.
Ah, as sutilizas do racismo latino!... as teses de Lombroso fazem eco
até hoje no imaginário dos escaladores de elenco das produções
audiovisuais.
Esse racismo
inconsciente que nos faz ver em um mestiço, um negro ou um índio
como um bandido, um assassino ou um pária é o mesmo que proporciona
cenas como as que vimos ontem em Brasília, principalmente na
emblemática fotografia que mostra servidores públicos acastelados
dentro do senado federal em um despreocupado coquetel, enquanto lá
fora as bombas de gás lacrimogêneo e os cacetetes da polícia
massacravam os manifestantes estudantes e representantes de
movimentos sociais que protestavam contra a aprovação da PEC 55.
A abertura da série
tem uma música linda que fui pesquisar e, para minha surpresa, o
clipe oficial do grupo mostra exatamente o que a série esconde: uma
Colômbia negra, uma comunidade quilombola muito parecida com as que
vemos no Brasil. A música tem um verso assim:
“Te invito a vivir
con migo las lunadas que realizan en mi pueblo
las noches de luna llena y los aguaceros cuando ya es invierno.
nuestras fiestas patronales a ver los arrullos en cada diciembre
y juntos en año nuevo tratar de cumplir los años que se tienen.
la experiencias de mis viejos y dolor de sus ancestros
los poderes de sus Dioses sus odios y sus anhelos”
las noches de luna llena y los aguaceros cuando ya es invierno.
nuestras fiestas patronales a ver los arrullos en cada diciembre
y juntos en año nuevo tratar de cumplir los años que se tienen.
la experiencias de mis viejos y dolor de sus ancestros
los poderes de sus Dioses sus odios y sus anhelos”
Então, aproveitando o
convite da música, convido a todos nós brasileiros e latino
americanos a nos olharmos no espelho de nossa formação cultural
latino americana indígena, negra, colonizadora e colonizada e
realmente nos vermos como povo que tem os mesmos problemas
estruturais de injustiça social, que sofre o mesmo massacre
simbólico e literal. Só quando nos vermos como somos é que
conseguiremos resolver nossos graves problemas sociais e estruturais.